Olho Grande e Pintura
Tomando cerveja para esquecer a fome, o cidadão acende uma vela para Deus e outra para o Diabo. Rio de Janeiro, ficção. Alexandre Vogler cria narrativas inspiradas em fatos da vida, e seus trabalhos abordam as irresistíveis contradições de Fé do povo brasileiro. O Funk, o sangue, a praia. A cultura atravessada do Rio, atravessa a cultura do globo. O Brasil está na moda e nós, habitantes cultos deste país que é metade Índia e metade Bélgica, cultuamos o pagode com churrasquinho e comentamos a crítica de algum filme francês.
Apesar de ambas as séries serem bastante críticas em suas abordagens, “Dirigível Olho Grande” e “Pintura de Retoque” abordam temáticas diferentes. A primeira toca em elementos diretamente ligados à vida política no Rio de Janeiro, enquanto que a outra diz respeito à uma tendência mundial de pasteurização dos corpos e sexualização do cotidiano.
“Dirigível Olho Grande” é um comentário sarcástico sobre a inabilidade político-administrativa diante do problema mais grave do Rio de Janeiro, a Violência. Criticando a demagogia dos infalíveis planos oficiais anti-crime propostos, Alexandre recria uma edição especial do pasteurizado RJTV, tendo como pauta central o lançamento do “Dirigível Olho Grande”, um tosco balão com jeito de super herói, cuja insígnia é um enorme olho prateado que tudo vê e controla, a partir de um suposto sofisticado sistema de radar satelital. O “Dirigível Olho Grande” foi lançado pela primeira vez no dia 7 de setembro de 2002 e aí começou a ser registrado pelos ares como uma mistura de Zeppellin e Balão Mágico salvador. Vogler observa, entre outros pontos, a qualidade da mídia jornalística, a manipulação política que existe por trás das ilhas de edição, e a conversa furada dos órgão oficiais com a população.
As “Pinturas de Retoque”, na sala contígua, remetem à questão da pintura. Utilizando-se de uma técnica de restauração, Vogler há uns anos “restaurou” genitálias de pôsters de revistas pornográficas, deixando-as lisas, cor da pele, sem fissuras, e deu início ao projeto que se transformou nesta exposição. Além da pintura, os trabalhos comentam a sexualização de vários setores da cultura dos anos 2000. As fotos de uma boneca Barbie hiperssexuada são expostas ao lado de genitálias supra pornográficas manipuladas digitalmente (“restauradas”) e impressas em tela. O Erotismo romântico, porém, não tem chance para a pornografia. O clássico erótico realista do pintor francês Corot (séc XIX), é também plastificado pelo photoshop e exposto em tela.
As duas séries apresentadas dão a sensação de que no Brasil sempre haverá algum pagode embalando planos de segurança pública, animando plásticas e próteses das senhoras chiques, e levantando a fé religiosa da massa. Prá geral, a estética do falseado aparece no trabalho de Vogler sem panfletagem nem maquiagem, mostrando que somos todos moradores de um território só, sem fronteiras entre o popular e o conceitual.
Daniela Labra