Horizontalidade, deslocamento e percurso

 

“Por que não colorir as casas? No país de todas as invenções, que lacuna é esta? Fifth Avenue, vermelha – Madison, azul – Park Avenue, amarela? Por que não?”. Sob o charme da Nova York dos anos 30, Léger visava expandir o espaço plástico e inscrever a arte em uma dimensão pública. Questão que sob as mais diversas formas e itinerários estéticos tem permeado toda a arte do século XX, seja esta pensada enquanto essência e imanência na busca de um grau zero – de um fim infinito a partir de seus limites; seja enquanto expansão, dissolução na vida ou questionamento do conceito de arte. Não mais submetida à relação mimética com a natureza, livre da moldura e da base, mas também da instantaneidade como imperativo prescrito para as artes do espaço, a arte vem se defrontando com sua destinação e inscrição no mundo.

O trabalho de Alexandre Vogler, jovem artista que realiza sua primeira exposição individual ao mesmo tempo em que conclui seu Mestrado em Linguagens Visuais do Programa de Pós-Graduação da EBA/UFRJ, retoma com radicalidade essas questões.

Insistindo na dimensão planar, trabalha o campo pictórico a partir de novas formas de relação com o mundo da imagem na sociedade pós-industrial. Sua atuação nesse universo aparentemente caótico, pois a ordem interna não emana de um centro legiferador mas das condições de produção do capitalismo avançado, opera nos suportes que lhe são característicos. Absorve, assim, as condições de percepção que o fluxo urbano impõe. Tomando a paisagem imagética da cidade como campo de experiência, o percurso torna-se um elemento operatório da maneira pela qual a obra se revela, distante, portanto, da contemplação. As 250 imagens de O que os detergentes fazem com as mãos de uma mulher coladas, em forma de cartazes lambe-lambe, nos muros do Cemitério do Caju atuam como anúncios corrosivos e insistem na “apreensão perceptiva da repetição sobre o prisma da velocidade”. Percepção que muda segundo o sentido do deslocamento do tráfego e que é determinada pela característica dos suportes, como o cartaz lambe-lambe, tão em voga nos anúncios publicitários, em grande parte de eventos culturais.

Esta mesma lógica de estrutura perceptiva e de referência à comunicação de massa está presente em sua pintura, a qual, enquanto campo pictórico, não se funda na relação entre as partes ou na composição hierarquizada mas em estruturas inerentes a lógicas de configurações lineares, como as etiquetas adesivas de listagens. A partir de outro tipo de atualização, o campo pictórico se impregna igualmente do espaço circundante, público, e também supõe horizontalidade, deslocamento e percurso.

Para Vogler, o trabalho pictórico também é deflagrado, entropicamente, pela ação dos agentes naturais, como, por exemplo, em O que os detergentes fazem com as mãos de uma mulher. Nos anos 60, o processo de décollage utilizado por Mimmo Rotella e Raymond Hains, presumia a apropriação e intervenção em cartazes publicitários, que voltavam ao circuito de arte como objetos autônomos. No diálogo com as imagens da comunicação de massa, que a Pop evidenciou enquanto natureza do social absoluto”, como diz Barthes, o trabalho de Alexandre Vogler visa menos “reproduzir a reprodutibilidade” ou estétizar os dejetos da mass mídia do que atuar na contingência visual da sociedade pós-industrial. “Com isso, diz o artista, mais do que uma crítica do mundo contemporâneo, interessa-me sua situação e a desordem que se notabiliza como estrutura”.

Glória Ferreira
Rio, fevereiro de2000